Ouvindo Beethoven

JOSÉ SARAMAGO, In “Os Poemas Possíveis“, 1966

Venham leis e homens de balanças,
mandamentos d’aquém e d’além mundo.
Venham ordens, decretos e vinganças,
desça em nós o juízo até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos.
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
relógios a marcar a hora exacta.
Não aceitem nem queiram outra arte
que a prosa de registo, o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.

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Academia Brasileira de Letras, negritude, eleições e critérios

Vejo alguma indignação das pessoas sobre a não-eleição de Conceição Evaristo à ABL, na cadeira vaga do cineasta Nelson Pereira dos Santos (há um post, ontem, sobre isso). A seu turno, foi eleito Cacá Diegues e disse que achei merecida a escolha.

Noves fora a sensação de “injustiça” racial, vamos a algumas considerações pessoais:

1. Pouca gente sabe o que é ou como funciona a ABL. Ela vem à tona ao grande público quando se trata de uma polêmica em suas eleições, como essa de agora. Já ocorreu com Sarney, Paulo Coelho, Mário Quintana (ao menos aqui no RS). A ABL tem um perfil de clube, fechado em si mesmo. É traço da elite cultural do Brasil que transitava do Império para a República. A carga intelectual, como sempre, trata-se de atividade restrita em um país de larga desigualdade educacional. Quem se arvorava (e, talvez, ainda se arvore o direito de ingressar na ABL) são pessoas tidas por bem nascidas e aquelas outras, que não sendo bem nascidas, foram aceitas entre aquelas, por seu talento, projeção, amizade ou, até mesmo, proteção. Os círculos de fidelidade em qualquer grupo social, político, econômico ou profissional são muito fortes. Isso se vincula ao espírito associativo por natureza e ao que podemos chamar de “corporativismo” que guarda suas origens nas Corporações de Ofício medievais daí, por exemplo, a origem da maçonaria e seus ritos exclusivos e suas reuniões discretas.
Por isso as eleições são fechadas (só votam os acadêmicos), logo, restrita a campanha no colégio eleitoral. Ali há, todavia, espaço para todo o tipo de aliança, promessa, veleidades pessoais, desafeição, ódio, competição pessoal, talvez, alguns dizem, algum favor financeiro. Não é um espaço afeito à democracia no conceito amplo e popularizado. O country club e a hípica do Rio de Janeiro ou similares pelo país, também não o são.

2. Embora não esteja inscrito em seu Estatuto, que é enxuto, o seu objetivo, a ABL contudo, foi ganhando e aumentando o desempenho de um papel fundamental, embora, restrito, de permanente estudo, aperfeiçoamento e divulgação da língua portuguesa e sua literatura. Há gramáticos, lexicógrafos, professores e divulgadores da língua. Há uma excelente biblioteca, congressos, conferências, seminários e publicações tudo aquilo que pode ser restrito ao grande público, mas como qualquer espaço acadêmico, como a Universidade, por exemplo, traz um grande benefício em razão do estudo, da pesquisa e da sua divulgação. Agora a ABL está no Facebook e no YouTube, por exemplo, onde se pode assistir excelentes conferências (https://www.youtube.com/user/abletrasabl)

3. Uma das questões sempre levantadas é quanto à qualidade de seus sócios eleitos. O Estatuto, deixa muito claro as condições de elegibilidade: “Art. 2º – Só podem ser membros efetivos da Academia os brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário.
As mesmas condições, menos a de nacionalidade, exigem-se para os membros correspondentes.
Vê-se, portanto, que se trata de um critério objetivo (ter livros publicados e reconhecido mérito) e um critério subjetivo (valor literário). Significa dizer que nem toda a obra reconhecidamente famosa seja boa. O contrário também é verdadeiro. Aí ultrapassa questões meramente atinentes à ABL. Liga-se à questões de política educacional e cultural na formação de público leitor e à política editorial e acesso aos livros e materiais didáticos. Um país sem leitores é um país sem bons escritores? Ou, pode haver bons escritores para poucos leitores? Quem não lê, não escreve. E quem escreve gosta de ser lido.
Muitos que lá estão, podem ou não ter méritos literários. Alguns lá estão pelos argumentos expostos no item 1, supra.
Se o critério fosse mérito, as coisas poderiam ser diferentes. Mas as coisas nem sempre atendem critério de justiça. No STF, por exemplo, que tem uma escolha restrita, nem sempre estão os melhores. Vemos isso todos os dias, recentemente.
Ah, mas e o Senado e o Congresso? Aí é outro departamento. Ali não estão os melhores porque o critério de escolha é a eleição não baseada no mérito, e sim, representação popular que só a democracia representativa proporciona. Vai quem o povo pensa que é o melhor a representá-lo e ponto. E vox popoli, vox dei.
A vida nem sempre é justa.

4. A cor da pele deveria pesar numa escolha da ABL? Quais outros critérios?
Muito embora o Brasil seja um país de miscigenados, há uma clara trajetória de “braqueamento”. Machado de Assis, por exemplo, não creio que se via ou se apresentava como negro (há estudos antropológico-literários sobre isso). Não me sinto preparado para falar sobre isso. Penso que se há de dar voz e foro cada vez mais aos movimentos negros para expressarem a sua realidade histórica de exclusão e ampliação de militância efetiva. Eu só posso dar apoio, solidariedade e participação. Seria muito atrevimento de minha parte querer falar por um negro).
Mas esse é um debate que extrapola a própria ABL e a candidatura de Conceição Evaristo, penso, expôs essa questão. Principalmente em um momento em que há a percepção de alargamento de direitos, inclusive raciais e de gênero, em uma sociedade patriarcal, machista, racista, elitista e não inclusiva quanto à brasileira. O debate parece, foi colocado. Ainda que de forma restrita aos meios culturais e acadêmicos ligados às Humanidades. Juremir Machado da Silva fez uma excelente análise sobre isso. Inclusive entrevistou, na Rádio Guaíba, a escritora Conceição Evaristo. É uma mulher negra engajada e militante que faz literatura.
Contudo, minha opinião é sobre valor literário e gosto pessoal. Penso que Conceição Evaristo é uma boa escritora. Só isso. Nada excepcional. Há quem não goste de Sarney e seus Marimbondos de Fogo (eu, particularmente gostei de seu O Norte das Águas) ou da obra de Paulo Coelho. E estão na ABL. A obra jornalistica de Merval Pereira o credencia para ser um acadêmico? Seus colegas do Rio, acham que sim.
O acadêmico Marcos Vilaça, em entrevista, traçou algo sobre quem está ou não está na ABL. Disse ao ser perguntado: “Como você vê quando personalidades, algumas bem expressivas, se recusam a se
candidatar ou entrar na Academia?”
— Não acho nada demais. Há os que querem e os que não querem. Gilberto Freyre, por exemplo, não quis; Carlos Drummond nunca desejou; Sérgio Buarque de Holanda idem; e Antonio Candido não quer. E, olha aí, quando fomos buscar um livro importante para consignar as comemorações dos 110 anos, editamos quem? Antonio Candido, o qual não quer ser acadêmico. No entanto, não faltou convite a ele. Ele não quer, mas nem por isso ficamos com preconceito. Também fizemos homenagens aqui a Drummond, e faremos sempre. A mesma coisa serve para Erico Verissimo. Sérgio Buarque de Holanda foi tema de seminário para nós, no ano de aniversário de Raízes do Brasil [de 1936, uma das principais obras de Buarque de Holanda, trata da herança histórico-cultural que moldou o povo brasileiro]. Colocamos em pé de igualdade o Guimarães Rosa e o Sérgio, um acadêmico e um não-acadêmico, e festejamos com igual intensidade.

5. Por último, uma consideração sobre a consideração um tanto quanto bairrista, de parte de nós gaúchos, que somos levados, quase que invariavelmente a lembrar que Mário Quintana tentou três eleições e nunca foi aceito. Paciência.
Vários fatores econômicos, políticos, geográficos, culturais, enfim, nos colocam numa certa peculiaridade nacional. Nordestinos e nortistas, por exemplo, têm mais inserção na cultura nacional. O gaúcho, por muito tempo, esteve isolado e criou-se o mito do regional. Vitor Ramil chega a teorizar sobre a existência de uma “estética do frio”, que nos aproxima mais da cultura do Pampa, do Uruguai e da Argentina. Pode ser. Há muitas variáveis.
Mas o Rio Grande do Sul, que já teve protagonismo no Segundo Império e na Primeira e Segunda Repúblicas, perdeu muito espaço.
E não se diga que não tivemos gaúchos na ABL. Cito alguns, entre vivos e mortos: Alcides Maia, Viana Moog, Carlos Nejar, Raimundo Faoro, Augusto Meyer, Moacyr Scliar, Manuel de Araújo Porto Alegre, Ramiz Galvão, Getúlio Vargas, João Neves da Fontoura…quem mais?
O problema, também, afora a integração, é falta de escritores de qualidade e projeção. Quantos escritores gaúchos publicam em grandes editoras e têm tempo e disposição para fazer “mis en scene” nos salões culturais do Rio de Janeiro, que ainda é onde as coisas se decidem, ao menos relacionadas com a ABL e seu universo.

http://www.academia.org.br/

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Philip Roth

Ao me perguntar se existe vida inteligente na intelectualidade norte-americana atual, depois de refletir um pouco, me permito responder afirmativamente e, para ilustrar tal assertiva, cito Philip Roth. Esse autor merece ser lido no conjunto de suas obras, dando-nos um panorama da vida real que se cristaliza na sua ficção e volta como um espectro capaz de nos levar ou trazer consigo. A condição humana de seus personagens são semelhantes a nós mesmos? Essa é a síntese da pergunta que fica. Ah…e se você não tem paciência com livros, sinta o que eu digo olhando o filme Revelações, baseado na obra A Marca Humana, de Roth, que simplesmente ganhor o Pulitzer. Depois me fala!

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Saudades de ti, meu velho!

“Senhoras e senhores constituintes.

Dois de fevereiro de 1987. Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. São palavras constantes do discurso de posse como presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

Hoje. 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou. (Aplausos). A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.

Num país de 30 milhões, 401 mil analfabetos, afrontosos 25 por cento da população, cabe advertir a cidadania começa com o alfabeto. Chegamos, esperamos a Constituição como um vigia espera a aurora.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo.

A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.

Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.

Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.

Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Aplausos)

Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.

Foi a audácia inovadora, a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.

O enorme esforço admissionado pelas 61 mil e 20 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo caminho das subcomissões até a redação final.

A participação foi também pela presença pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam livremente as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento à procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões.

Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.

Como caramujo guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio.

Nós os legisladores ampliamos os nossos deveres. Teremos de honrá-los. A Nação repudia a preguiça, a negligência e a inépcia.

Soma-se a nossa atividade ordinária bastante dilatada, a edição de 56 leis complementares e 314 leis ordinárias. Não esquecemos que na ausência da lei complementar os cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo mandado de injunção.

Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da democracia. É o clarim da soberania popular e direta tocando no umbral da Constituição para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais.

O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador habilitado a rejeitar pelo referendo os projetos aprovados pelo Parlamento.

A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao prefeito, do senador ao vereador.

A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune toma nas mão de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam.

Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública. Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita seria irreformável.

Ela própria com humildade e realismo admite ser emendada dentro de cindo anos.

Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados.

É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.

A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou o antagonismo do Estado.

O Estado era Tordesilhas. Rebelada a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das maiores geografias do mundo.

O Estado encarnado na metrópole resignara-se ante a invasão holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de Tabocas e Guararapes sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e João Fernandes Vieira que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: Desobedecer a El Rei para servir El Rei.

O Estado capitulou na entrega do Acre. A sociedade retomou com as foices, os machados e os punhos de Plácido de Castro e seus seringueiros.

O Estado prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilella, pela anistia, libertou e repatriou.

A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. (Aplausos acalorados)

Foi a sociedade mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.

Termino com as palavras com que comecei esta fala.

A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.

Que a promulgação seja o nosso grito.
Mudar para vencer. Muda Brasil.”

(Discurso proferido pelo Deputado Ulisses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte em 05.10.1988, na ocasião da promulgação da Constituição).
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O Brasil não está dividido.

Foi uma eleição dura é disputada. Espero que os golpistas de plantão e vivandeiras da catástrofe parem com essa bobagem de que o país está dividido.
Só haverá divisão se os vencedores forem arrogantes e os derrotados vingativos.
Não há nenhuma divisão porque os partidos de oposição elegeram deputados e senadores no âmbito federal e nos Estados. A oposição terá voz nos Parlamentos. E nada melhor do que a voz do contraditório para reclamar do que não foi feito, censurar o que foi feito errado e apontar o dedo indicando o que e como dever ser feito.
O que houve foi o acirramento na estratégia eleitoral, por parte da oposição, em querer capitalizar eleitoralmente o descontentamento de alguns setores corporativos da sociedade aliado ao viés conservador da imprensa.
Isso acabou servindo de combustível odiento. Alguns setores da oposição envenenaram o debate político-eleitoral.
O novo governo tem o apoio de uma base aliada, com um Congresso regularmente funcionando.
A oposição, a seu turno, de aprender a debater os grandes temas e ser verdadeira oposição. Até agora não o foi. Foi barricada do contra. Se não aprenderem isso, continuarão esticando a corda para tentar capitanear o estado de “quanto pior, melhor” até vociferar o pedido de um golpe.
Mas isso não acontecerá numa democracia que avança. O Brasil é a quarta maior democracia do mundo.

A presidenta Dilma sai fortalecida para imprimir a sua cara no próximo mandato. Há que se libertar de certas lideranças e segmentos (mesmo do PT) para fazer um governo técnico e com costura política.
Não significa capitular diante da oposição, mas afinar o ouvido para ouvir as rua e os descontentes.
Há problemas e gargalos que devem ser corrigidos, com diálogo e dentro do Estado de Direito sob a égide da Constituição e das leis.

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O antipetismo e o acirramento dos ódios eleitorais

O antipetismo grassa a muito tempo. Custo a crer que pessoas com curso superior, com cargos importantes na iniciativa privada e no funcionalismo público, com boa renda, acesso às várias informações (internet, revistas, TV a cabo, etc.) possam ser obtusas e simplistas numa análise da conjuntura nacional, com argumentos tão pueris para analisar as eleições.
Nesse espectro, vociferam contra o PT como se fosse a origem de todos os males do país. Discordo disso e, portanto,valho-me de dois argumentos iniciais:
1)a questão das mudanças. Todos reconhecem que as mudanças implementadas pelo governo Lula e Dilma que mudaram o padrão de distribuição de renda no país. Se o “todos” parecer muito vago, pego só os Relatórios das Agências e Organismos internacionais onde não há petistas (ONU, FAO, Unicef, OMS etc.);
2) a questão da corrupção. O país há 500 anos, pela formação histórica e social, é corrupto na sua gênese ou no seu DNA. O povo é corrupto e são pessoas do povo que estão nos partidos e no governo. Há corrupção no PT? Claro que há. Como há nos demais partidos e no resto da sociedade.
Está provado que o partido se desviou de um discurso ético que pregava como forma histórica de se diferenciar dos demais. Foram investigados, processados, julgados e condenados. Ninguém se livrou. Poderiam dizer: muitos não ficaram bastante tempo na cadeia! Bom, isso é um problema da lei e da Justiça. Não tem nada a ver com o Executivo.
Todos os partidos têm corruptos. Os Parlamentos têm corruptos. O Judiciário tem corruptos. As famílias têm corruptos. As escolas e universidades têm corruptos. Alunos colam, trapaceiam, mentem. Gente falsifica aqui e ali para obter alguma vantagem.
O problema é a gradação, o alcance e a consequência da corrupção e do proceder do corrupto. E isso tem a ver com algo chamado impunidade.
Quando pais não punem filhos, professores são coniventes com maus alunos e por aí vai, temos uma grande chance criar uma cultura da corrupção acobertada pela impunidade.
Assim, quando se chega no nível político, alguns espertos pensam que podem ser mais espertos que os demais porque criam uma rede de apoios e acobertamentos.
Geralmente os esquemas só são descobertos quando alguém de dentro do próprio esquema foi prejudicado e, ato contínuo, delata. Seja por vingança, seja por instinto de preservação.
A Ciência Política estuda muito o fenômeno da corrupção. Não é um tema simples. Tem muitas variáveis e desdobramentos éticos, políticos, econômicos e legais.
Todavia, entendo a sensação ruim para o homem comum e honesto que não está munido das informações complexas. Há o que se chama de assimetria de informações. É uma sensação de impotência que precisa ser resolvida com a criação de meios legais eficazes de controle da coisa pública.
Há um somatório de coisas que leva os setores conservadores, propositalmente, e os desinformados, ingenuamente, a colocarem a culpa no PT, por muitos dos atuais problemas nacionais.
Arrolo alguns:
1) Sempre quem está no governo será desgastado. O PT, historicamente, usou esse artifício para crescer perante a opinião pública e arregimentar militantes. O discurso da moralidade era o seu forte. Mas, paulatinamente, ao ir ganhando eleições e governando em todos os níveis, aumentou como partido, inchou, e tornou-se como os outros. Os petistas históricos, que não compreenderam essa circunstância, saíram para outros partidos (PSOL, PCO, etc.) ou resolveram por amargura, fazer a crítica externa cheia de mágoa. Essa é uma velha discussão revisionistas nos partidos de esquerda. O que é avançar, como avançar e o que fazer lá na frente? O PSOL terá daqui a alguns anos, o mesmo inevitável destino.
2) O PT teve que, para sair do isolamento político, fazer alianças com partidos tradicionais e viabilizar a chegada ao poder. Se não fizesse isso sozinho estaria ainda tentando eleger Lula pela primeira vez.
Na política há algo que se chama pragmatismo. As pessoas comuns veem a política de forma utópica e sonhadora. Comparando. Um casal enquanto tiver amor fará mútuas concessões. Quando o amor acabar e se houver alguma desavença irreconciliável, virará uma guerra pragmática de interesses. Cada defenderá o seu lado.
Os aliados do PT ajudaram-no a ganhar as eleições, precisavam, depois, de nacos de poder mediante cargos na Administração.
O sistema que permite o Presidencialismo de coalizão gera isso. Qualquer presidente só governará se tiver maioria no Parlamento. Como nenhum partido consegue maioria (temos mais de 30 partidos!) têm de existir composições. Isto é: governar junto. E, como decorrência, autorizar os partidos e grupos a nutrir-se dos benefícios do poder para conseguir mais poder. Isso é ruim? Não, se realizado tendo em vista o interesse nobre da política, que é implementar um programa para oferecer serviços ao povo. No meio desse processo, temos fisiologismo, corrupção, etc.
3) Por fim, há os que sempre odiaram a esquerda e o PT. E, como o PT se disse um partido socialista, até hoje é identificado com socialismo, comunismo, e outros “ismos” que as pessoas não conhecem bem. Misturam e evocam o sistema de Cuba que é, ainda, o modelo mais referencial de um regime fechado. Não usam a China por causa da sua expansão ao mercado capitalista. Não me aprofundarei nesse aspecto.
O PT é um partido socialista. Contudo entendo que mais na acepção do partido socialista francês ou italianodo que qualquer identificação com um partido do chamado socialismo real. Prega um papel importante ao Estado mas, conforme nossa Constituição opera dentro das regras de um Estado Social Liberal. Temos propriedade privada, temos regras, temos tribunais, temos liberdade de expressão. Liberdade de expressão que, aliás, é sempre abusado pelos segmentos conservadores como se não existissem as regras do Estado de Direito.
4) Há sim, pela perda de poder para o PT, nesses 12 anos um acirramento de ódio pela disputa eleitoral para tirá-lo do poder. Os setores conservadores que antes tinham benefícios do Estado estão vendo esses benefícios serem estendidos a mais pessoas. Ao terem interesses desagradados, pessoas e grupos políticos fazem de tudo para minimizar suas perdas. E, por isso, acirram as pautas estratégicas de classe.
Óbvio que os partidos conservadores vão defender os interesses das elites, dos grupos e até de alguns indivíduos. Isso não é proibido no Estado democrático. O combustível fica com perigo de explosão quando órgãos de imprensa, comprometidos com esses grupos, armam discursos exaltados numa campanha acirrada. O ambiente fica contaminado. Mas isso está no limite do administrável em uma campanha eleitoral.
Por que uma campanha acirrada? Porque a oposição nesses 12 anos não conseguiu, articular um discurso capaz de deslegitimar as políticas sociais do governo, ou seja, ficaram atônitos em como criticar de forma coerente algo que dá certo.
Agarraram-se naquilo que foi uma fraqueza petista (e de seus aliados) a corrupção.
Vejam que os partidos da mudança, em nível local, são aliados no plano nacional. Lá como aqui, há tantos ou quantos envolvidos em casos de corrupção. Isso, pelo que falei acima sobre as alianças, servem para todos os partidos.

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Democracia e participação cidadã

A democracia segue sendo a melhor forma de governo, embora sempre haja quem a aponte como a “menos imperfeita”, como fizera o Senador Mem de Sá. Isso porque não está infensa a turbulências e crises que são da sua essência.
Direta ou indireta, a democracia reúne elementos básicos da política ocidental: prevalência da lei, igualdade formal entre pessoas, tutela de direitos fundamentais e participação cidadã. Esse último elemento colabora, decisivamente, para a crise.
Não há no Brasil efetiva participação democrática do cidadão e, em véspera de ano eleitoral, é sempre bom lembrar isso.
O cidadão vê a democracia como mero instrumento de escolha de governantes mediante o processo eleitoral; isto é, a democracia apenas identificada com o dever de votar e não de participar ativamente do governo. Trata-se, pois, de mecanismo burocrático, procedimental, de escolha de grupos políticos organizados em partidos, que competem entre si para aceder ao poder e formar o governo.
É o que Macpherson chama de “democracia como equilíbrio”, ou seja, serve só para legitimar os políticos que se apresentam na arena política. Esse modelo gera apatia, indiferença e ceticismo com a vida republicana, eis que o cidadão sente-se excluído do processo democrático. Se vê e é visto como elemento externo a ele. Não tem a relação de pertinência democrática pela sua participação, nos termos do que Lincoln, em Gettysburg em 1963, proclamou: “governo do povo, pelo povo e para o povo”.
Participa como coadjuvante ao invés de protagonista, ainda que enalteçam a figura do eleitor em época eleitoral.
Além das consequências negativas à vida pública do país, ocorre a desvalorização do Poder Legislativo que, esvaziado de sua legitimidade popular, torna-se simples chancelador de ações do Executivo, traduzindo-se na chamada “democracia delegativa” que entrega nas mãos do Presidente da República a missão salvadora e redentora dos destinos nacionais de conduzir a política interna e externa com supremacia sobre o Congresso Nacional, governando por medidas provisórias e decretos, num verdadeiro presidencialismo imperial.
Na falta de participação do cidadão, emasculam-se os partidos, atrofia-se o Parlamento e fragiliza-se, com isso, a democracia. Assim, importante que sejam utilizados os instrumentos constitucionais para ativar a participação do cidadão e da própria democracia.

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A Privatização do Judiciário

Foi dada a senha. Parece que as restrições à privatização generalizada em diversos setores do Estado, ruíram com o apoio de alguns magistrados a esse sistema de “privatização” dos presídios.
O argumento de que o Estado não vai – a curto ou médio prazo – resolver o problema da segurança e da execução penal nos cárceres gaúchos o que, conjugado com a lógica utilitária da eficiência, abre brecha às resistências.
Que bom que o debate veio à balha. Era o que faltava para que começássemos a falar em privatização do Poder Judiciário estadual, não por ele estar nas mesmas condições dos presídios. Mas traria agilidade, rapidez, eficiência e economia.
Começaríamos pela racionalidade na construção de foros e Tribunais. Poderiam ser mais planejados, com espaço e comodidades que são indispensáveis à modernidade da justiça. Empresas privadas fariam e administrariam cartórios espaçosos, limpos e agradáveis para juízes, serventuários, advogados e partes. Haveria banheiros limpos, papel higiênico e bebedouros funcionando. Talvez até balcão espaçoso para advogados consultarem processos. As empresas poderiam usar o mesmo projeto de foros e Tribunais da Justiça Federal.
Também seria privatizado o serviço ineficiente dos cartórios, tanto judiciais quanto extrajudiciais. Funcionários para trabalhar no atendimento de advogados e partes nas varas, seriam celetistas ou terceirizados. Estagiários não, porque esses já têm demais. Seriam estimulados a rapidez, eficiência e cortesia. Poderiam ganhar bônus por produtividade e desempenho se achassem um processo de vez em quando. Talvez participassem na distribuição dos lucros, que no caso do Judiciário, seria uma sociedade mais satisfeita com a forma que se entrega a justiça à sociedade, como ensinou Aristóteles.
Por fim, a função do magistrado seria privatizada. Nada de concurso longo, minucioso e que seleciona os melhores. Simples análise de currículo, onde pudesse o juiz demonstrar o mínimo conhecimento jurídico, o que valeria seria expertise em liberalismo, law and economics e qualidade total. Pós-graduação na Faculdade de Direito de Chicago, daria uma pontuação extra. Seria criada uma carreira intermediaria, de ascensão rápida à condição de magistrado, por assessores e estagiários já fazem sentenças. Pagaria-se um salário extra, se o juiz lesse algumas, de quando em vez.
O plano de carreira da magistratura implicaria a demissão de juízes por improdutividade ou burrice, isto é: demora em dar sentenças, pois haveria prazos peremptórios para juízes ou por qualquer erro, como misturar as partes de um processo em outro. Seriam treinados a recortar e colar melhor os textos num computador.
Claro que em termos de salário, teríamos pagamento por sentença dada, eis que é um dos produtos que o Judiciário entrega aos seus consumidores.
Outros produtos como certeza, segurança e justiça, bem, ficariam para o modelo sério e democrático, que ainda acredita que a Justiça deve ser cem por cento pública, como os presídios.

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Dura lex, sed latex

E para não esquecer da forma como se pode interpretar o Direito, vai essa de Fernando Sabino:

“Candidato a deputado por Minas, meu amigo Castejon andava às voltas com os eleitores de sua terra. Um deles o abordou um dia:
– Pode contar com a gente: no que depender de nós, tá eleito. Mas o senhor vai ter de fazer um favorzinho para um amigo meu que é banqueiro de bicho.
Esta ele não gostou: banqueiro de bicho? O favorzinho devia ser coisa ilegal, isso ele não fazia.
– Pode fazer que o homem é rico: dura lex sed latex.
Sed latex? Que bobagem é essa?
O outro riu:
– Pros pobres, é dura lex sed lex: a lei é dura, mas é lei. Pros ricos, dura lex sed latex: a lei é dura, mas estica”.

(Fernando Sabino, “Mineiro por mineiro”, in: A Falta que ela me faz. Rio de Janeiro: Record, 1981, p. 86)

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Habeas mídia: velha mordaça, novo nome

Noticiam os jornais que o desembargador Newton De Lucca, recém empossado Presidente do TRF da 3.ª Região, defendeu “irrestritamente” a criação do habeas mídia a “impor limites ao poder de uma certa imprensa” para proteger individual, coletiva ou difusamente pessoas físicas e jurídicas que sofrerem ameaça ou lesão ao seu patrimônio jurídico indisponível por intermédio da mídia”.
Segundo o juiz, serviria o habeas “não apenas em favor dos magistrados que estão sendo injustamente atacados, mas de todo o povo brasileiro, que se encontra a mercê de alguns bandoleiros de plantão, alojados sorrateiramente nos meandros de certos poderes midiáticos no Brasil e organizados por retórica hegemônica, de caráter indisfarçavelmente nazifascista”.
É proposta inoportuna e de rematada inconstitucionalidade, que alberga em seu ventre, tramada à socapa em gabinetes corporativistas, manete vil à ação jornalista. Verdadeira mordaça à liberdade de imprensa e à livre expressão. Em miúdos: fascismo disfarçado de legalidade tão ao gosto dos donos do poder.
A Constituição em seu art. 5º, IV, pontifica: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O complemento está no inciso IX que diz: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Em sociedades democráticas a imprensa é o primeiro esteio das liberdades públicas, eis que é “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, conforme o art. 5º, XIV.
Aqueles que, valendo-se de mecanismos semelhantes, querem afrontar o texto constitucional, seus princípios e valores fundamentais de consagração a direitos e garantias individuais, esquecem-se que tal proposta nem por emenda pode ser veiculada, que não será objeto de deliberação a proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV).
Esse habeas mídia é forma de intimidação aos que trazem à luz do dia a ação nefasta dos grupos e poderes políticos hegemônicos, inclusive a magistratura a serviço do corporativismo e da corrupção.
Meios de defesa contra a imprensa irresponsável ou criminosa existem: ações de responsabilidade penal e civil, porque “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, V).
Querem impedir as denuncias, criticas ou investigações da imprensa? Simples: basta não cometer ilícitos contra o Estado e o povo; não apadrinhar parentes e amigos; não desviar recursos públicos ou fraudar licitações; não fazer caixa dois ou vender sentenças, etc.
Enfim, basta cumprir a Constituição que juraram respeitar, zelando pela res publica. O contrário é nuvem de fumaça a despistar delitos continuados, alçando a imprensa como culpada dos males sociais.

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